quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

véspera de não partir nunca

"Na véspera de não partir nunca
Ao menos não há que arrumar malas
Nem que fazer planos em papel,
Com acompanhamento involuntário de esquecimentos,
Para o partir ainda livre do dia seguinte.
Não há que fazer nada
Na véspera de não partir nunca.
Grande sossego de já não haver sequer de que ter sossego!
Grande tranqüilidade a que nem sabe encolher ombros
Por isto tudo, ter pensado o tudo
É o ter chegado deliberadamente a nada.
Grande alegria de não ter precisão de ser alegre,
Como uma oportunidade virada do avesso.
Há quantas vezes vivo
A vida vegetativa do pensamento!
Todos os dias sine linea Sossego, sim, sossego...
Grande tranqüilidade...
Que repouso, depois de tantas viagens, físicas e psíquicas!
Que prazer olhar para as malas fítando como para nada!
Dormita, alma, dormita!
Aproveita, dormita! Dormita!
É pouco o tempo que tens! Dormita!
É a véspera de não partir nunca! "

(Álvaro de Campos, in "Poemas" Heterónimo de Fernando Pessoa)

Let's take a breath jump over the side

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

domingo, 18 de dezembro de 2011

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

raro e

"Raro e vazio dia.
Calmo e velho dia.
Os membros lassos debruados deste cansaço sem porquê.

Raro e vazio dia,
assim inteiro e implacável
na solidão grave e trágica do meu quarto nu.

Perdido, perdido, este vagabundear dos meus olhos
sobre os livros fechados e decorados,
sobre as árvores roídas,
sobre as coisas quietas, quietas...

Raro e vazio dia
na minha boca pálida e pouca,
sem uma praga para quebrar a magia do ópio! "

(Fernando Namora, in 'Mar de Sargaços')

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

sábado, 3 de dezembro de 2011

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

as verdadeiras necessidades não têm gosto

"Nenhum conselho me parece mais útil para te dar do que este (e que nunca é demais repetir!): limita sempre tudo aos desejos naturais que tu podes satisfazer com pouca ou nenhuma despesa, evitando, contudo, confundir vícios com desejos. Porventura te interessa saber em que tipo de mesa, em que baixela de prata te é servida a refeição, ou se os escravos te servem com bom ritmo e solicitude? A natureza só necessita de uma coisa: a comida. (...) A fome dispensa pretensões, apenas reclama ser saciada, sem cuidar grandemente com quê. O triste prazer da gula vive atormentado na ânsia de continuar com vontade de comer mesmo quando saciado, de buscar o modo como atulhar, e não apenas encher o estômago, de achar maneira de excitar a sede extinta logo à primeira golada! Tem, por isso toda a razão Horácio quando diz que a sede não se interessa pela espécie de copo ou pela elegância da mão que o serve.

Se achas que têm para ti muita importância os cabelos encaracolados do escravo, ou a transparência do copo que te põe à frente, é porque não estás com sede. Entre outros benefícios que devemos à natureza conta-se este, e fundamental, de prover sem artifícios a quanto nos é indispensável. Apenas no que é supérfluo nos podemos permitir a escolha, recusando isto ou aquilo como «pouco bonito», «pouco requintado» ou «desagradável à vista»! A preocupação do criador do universo ao determinar as leis da nossa existência foi a nossa saúde, não os hábitos sofisticados; e enquanto o indispensável à saúde se encontra à nossa total disposição, os requintes do luxo só os podemos obter a troco de penas e angústias. Tiremos, portanto, partido deste inestimável benefício que devemos à natureza; pensemos que a nenhum outro título ela merece mais a nossa gratidão do que por nos facultar o uso sem repugnância de quanto podemos naturalmente desejar! "

(Séneca, in 'Cartas a Lucílio')