sábado, 31 de julho de 2010

um sorriso para ti



Um artista que criou arte. ele próprio é a arte.
Um homem, que nos relembrou o que é ser Humano.
cresci contigo.obrigada.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

conversa de botequim

embrulho ou retrete

"Não penses para amanhã. Não lembres o que foi de ontem. A memória teve o seu tempo quando foi tempo de alguma coisa durar. Mas tudo hoje é tão efémero. Mesmo o que se pensa para amanhã é para já ter sido, que é o que desejamos que seja logo que for. É o tempo de Deus que não tem futuro nem passado. Foi o que dele nós escolhemos no sonho do nosso absoluto. Não penses para amanhã na urgência de seres agora. Mesmo logo à tarde é muito tarde. Tudo o que és em ti para seres, vê se o és neste instante. Porque antes e depois tudo é morte e insensatez. Não esperes, sê agora. Lê os jornais. O futuro é o embrulho que fizeres com eles ou o papel urgente da retrete quando não houver outro."
(Vergílio Ferreira, in "Escrever")

terça-feira, 27 de julho de 2010

voy a buscar

"Por vezes, o homem é mais sincero e rico na desordem dos sonhos que na consciência unitária do raciocinador acordado, mas nós vivemos enquanto negamos o sonho (..) A vida não é sonho, mas a urdidura dos sonhos pode iluminar e embelezar a trama da vida."
(Giovanni Papini, in 'Relatório Sobre os Homens')


segunda-feira, 26 de julho de 2010

domingo, 25 de julho de 2010

ano I

"Uma Após Uma
Uma após uma as ondas apressadas
Enrolam o seu verde movimento
E chiam a alva 'spuma
No moreno das praias.

Uma após uma as nuvens vagarosas
Rasgam o seu redondo movimento
E o sol aquece o 'spaço
Do ar entre as nuvens 'scassas.

Indiferente a mim e eu a ela,
A natureza deste dia calmo
Furta pouco ao meu senso
De se esvair o tempo.

Só uma vaga pena inconsequente
Pára um momento à porta da minha alma
E após fitar-me um pouco
Passa, a sorrir de nada. "

(Ricardo Reis, in "Odes"
Heterónimo de Fernando Pessoa)

.. um sorriso para ti, para onde nos estás a acompanhar

walking around

"Acontece que me canso de meus pés e de minhas unhas,
do meu cabelo e até da minha sombra.
Acontece que me canso de ser homem.

Todavia, seria delicioso
assustar um notário com um lírio cortado
ou matar uma freira com um soco na orelha.
Seria belo
ir pelas ruas com uma faca verde
e aos gritos até morrer de frio.

Passeio calmamente, com olhos, com sapatos,
com fúria e esquecimento,
passo, atravesso escritórios e lojas ortopédicas,
e pátios onde há roupa pendurada num arame:
cuecas, toalhas e camisas que choram
lentas lágrimas sórdidas."
(Pablo Neruda)

sábado, 24 de julho de 2010

simplesmente existe

"No dia brancamente nublado entristeço quase a medo
E ponho-me a meditar nos problemas que finjo...

Se o homem fosse, como deveria ser,
Não um animal doente, mas o mais perfeito dos animais,
Animal directo e não indirecto,
Devia ser outra a sua forma de encontrar um sentido às coisas,
Outra e verdadeira.
Devia haver adquirido um sentido do "conjunto";
Um sentido, como ver e ouvir, do "total" das coisas
E não, como temos, um pensamento do "conjunto";
E não, como temos, uma ideia do "total" das coisas.
E assim - veríamos - não teríamos noção de conjunto ou de total,
Porque o sentido de "total" ou de "conjunto" não seria de um "total" ou de
"conjunto"
Mas da verdadeira Natureza talvez nem todo nem partes.

O único mistério do Universo é o mais e não o menos.
Percebemos demais as coisas - eis o erro e a dúvida.
O que existe transcende para baixo o que julgamos que existe.
A Realidade é apenas real e não pensada.
O Universo não é uma ideia minha.
A minha ideia do Universo é que é uma ideia minha.
A noite não anoitece pelos meus olhos.
A minha ideia da noite é que anoitece por meus olhos.
Fora de eu pensar e de haver quaisquer pensamentos
A noite anoitece concretamente
E o fulgor das estrelas existe como se tivesse peso.

Assim como falham as palavras quando queremos exprimir qualquer pensamento,
Assim falham os pensamentos quando queremos pensar qualquer realidade.
Mas, como a essência do pensamento não é ser dita, mas ser pensada,
Assim é a essência da realidade o existir, não o ser pensada.
Assim tudo o que existe, simplesmente existe.
O resto é uma espécie de sono que temos,
Uma velhice que nos acompanha desde a infância da doença.

O espelho reflecte certo; não erra porque não pensa.
Pensar é essencialmente errar.
Errar é essencialmente estar cego e surdo.

Estas verdades não são perfeitas porque são ditas,
E antes de ditas, pensadas:
Mas no fundo o que está certo é elas negarem-se a si próprias
Na negação oposta de afirmarem qualquer coisa.
A única afirmação é ser.
E ser o oposto é o que não queria de mim..."

(Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa)

sexta-feira, 23 de julho de 2010

trabalhar, vontade

"O mundo está cheio de pessoas com vontade; algumas com vontade de trabalhar e as outras com vontade de as deixar trabalhar"
(Robert Frost)

quarta-feira, 21 de julho de 2010

o silêncio dos olhos

"Em que língua se diz, em que nação,
Em que outra humanidade se aprendeu
A palavra que ordene a confusão
Que neste remoinho se teceu?
Que murmúrio de vento, que dourados
Cantos de ave pousada em altos ramos
Dirão, em som, as coisas que, calados,
No silêncio dos olhos confessamos?"

(José Saramago, os poemas possíveis)

fado

segunda-feira, 19 de julho de 2010

fim do dia

"Aquieta-se o silêncio na folhagem,
que em árvores teceu amor antigo;
sobressalto transposto da viagem
que o dia rumoroso fez consigo.

O coração, que é sombra na paisagem,
dá às palavras vãs outro sentido;
e é murmúrio desfeito na aragem,
que do entardecer recolhe abrigo.

Ares assim se fazem de uma luz
que torna como baço o sol poente;
e o coração à estrema se reduz,
como o dia se volve mais ausente.

Recolhem-se as palavras no vagar
que dia nem fulgor nos podem dar."


(Luis Filipe Castro Mendes, in "Viagem de Inverno")

domingo, 18 de julho de 2010

sábado, 17 de julho de 2010

fire?ligth

"Quem acende uma luz é o primeiro a beneficiar-se da claridade"
(Gilbert Chesterton)

quinta-feira, 15 de julho de 2010

alta noite


"Nenhuma pessoa sozinha ia
Nenhuma pessoa vinha"

quarta-feira, 14 de julho de 2010

sensibilidade humanizada

"Santo Deus, que entroncamento esta vida!
Tive sempre, feliz ou infelizmente, a sensibilidade humanizada.
E toda a morte me doeu sempre pessoalmente,
Sim, não só pelo mistério de ficar inexpressivo o orgânico,
Mas de maneira directa, cá do coração.
(..)
Afinal que coisa a pensar com o sentimento distraído"

(Álvaro de Campos, in "Poemas", Heterónimo de Fernando Pessoa)

terça-feira, 13 de julho de 2010

segunda-feira, 12 de julho de 2010

nos olhos

"O horizonte está nos olhos e não na realidade"(A. Ganivet)

sexta-feira, 9 de julho de 2010

palavra e pensamento

"A palavra não é o "signo" do pensamento, se compreendermos como tal um fenómeno que anuncia outro, como o fumo anuncia o fogo."
(Maurice Merleau-Ponty)

quarta-feira, 7 de julho de 2010

terça-feira, 6 de julho de 2010

o menino dos pés frios

"Era uma vez uma casa. Muito grande. Com um tecto altíssimo, nem sempre azul. Uma casa enorme onde habitava uma grande família: uma família tão grande que, por vezes, não julgavam os seus membros que se conheciam. E se deviam amar.
Houve um menino que entrou nesta casa estava ela toda branca. No chão tapetes de neve, cristais de água de uma brancura que estremecia. E as próprias árvores escorriam essa brancura. E frio. Iluminava-a uma estrela tão brilhante que, sobre o tecto, parecia que poisava sobre as nossas mãos.
Ora um dia, em que fazia anos em que esse menino entrara nessa casa, outro menino por ela andava com frio. Pelo chão, pelos milhões de cristais, caminhavam os seus pezitos enregelados. Tanto frio que nem podia olhar a estrela brilhante. Nem os milhões de cristais que pisava.
Uma mulher chorava a um canto dessa casa. E era triste essa mulher. Estava triste e cansada. Na casa nem tudo era belo. Ali estava aquele menino cheio de frio. E, como ele, tantos meninos.
E, já há quase dois mil anos, um menino entrara na casa, que ficou mais clara com a luz brilhante do tecto. O menino entrou só para dizer uma palavra pequenina: AMOR.

Então essa mulher perguntou ao menino dos pés frios:
– Tu não tens a tua casa?
O menino olhou a mulher triste e ficou triste. Ambos estavam tristes. E disse quase envergonhado que não.
– Tu não tens roupa? Sapatos? Um lume? Pão?
A cabeça (tão linda!) do menino ia abanando sempre a dizer não. A mulher triste começou a ter vergonha. Então ela consentia que na sua casa, na casa de todos, de tecto nem sempre azul, houvesse um menino sem roupa, sem lume, sem pão? Ela consentia uma coisa assim? E os outros também?
Escorregaram-lhe pela face já enrugada duas lágrimas transparentes. De água. Água como a que tombava do tecto, como a que se estendia nos mares.
E perguntou mais ao menino:
– E para onde vais? Eu dou-te qualquer coisa para o caminho...
O menino olhou para ela admirado. Não lhe disse para onde ia. Observou-lhe apenas:
– Tens duas gotas de água nos teus olhos que reflectem o céu azul e a lâmpada do tecto. Não sentes?
A mulher deixou cair pelo rosto enrugado as duas lágrimas. A pele, então, ficou-lhe mais lisa. E ela tornou-se menos curva. Ergueu-se. Estendeu, sorrindo, os dois braços ao menino. E disse:
– Fica. Perdoa.
E o menino ficou. Nos seus braços. Encostado ao seu peito. Com os pés aquecidos sobre o campo de neve.

E a mulher entendeu que não adiantava chorar ao canto da casa. E o seu vestido era uma bandeira. E o seu coração uma flor. Com o menino a seu lado."

(Matilde Rosa Araújo)

segunda-feira, 5 de julho de 2010

walk on


"Walk on, walk on
What you got, they can't steal it"

domingo, 4 de julho de 2010

faz-se luz

"Faz-se luz pelo processo
de eliminação de sombras
Ora as sombras existem
as sombras têm exaustiva vida própria
não dum e doutro lado da luz mas no próprio seio dela
intensamente amantes loucamente amadas
e espalham pelo chão braços de luz cinzenta
que se introduzem pelo bico nos olhos do homem

Por outro lado a sombra dita a luz
não ilumina realmente os objectos
os objectos vivem às escuras
numa perpétua aurora surrealista
com a qual não podemos contactar
senão como amantes
de olhos fechados
e lâmpadas nos dedos e na boca"

(Mário Cesariny, in "Pena Capital")

sábado, 3 de julho de 2010

quinta-feira, 1 de julho de 2010

bicarbonato da soda

"Súbita, uma angústia...
Ah, que angústia, que náusea do estômago à alma!
Que amigos que tenho tido!
Que vazias de tudo as cidades que tenho percorrido!
Que esterco metafísico os meus propósitos todos!

Uma angústia,
Uma desconsolação da epiderme da alma,
Um deixar cair os braços ao sol-pôr do esforço...
Renego.
Renego tudo.
Renego mais do que tudo.
Renego a gládio e fim todos os Deuses e a negação deles.
Mas o que é que me falta, que o sinto faltar-me no estômago e na
circulação do sangue?
Que atordoamento vazio me esfalfa no cérebro?

Devo tomar qualquer coisa ou suicidar-me?
Não: vou existir. Arre! Vou existir.
E-xis-tir...
E--xis--tir ...

Meu Deus! Que budismo me esfria no sangue!
Renunciar de portas todas abertas,
Perante a paisagem todas as paisagens,

Sem esperança, em liberdade,
Sem nexo,
Acidente da inconsequência da superfície das coisas,
Monótono mas dorminhoco,
E que brisas quando as portas e as janelas estão todas abertas!
Que verão agradável dos outros!

Dêem-me de beber, que não tenho sede!"


(Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa)