sábado, 27 de fevereiro de 2010

vozes do vento


I

"Vozes do mar, das árvores, do vento!
Quando às vezes, n'um sonho doloroso,
Me embala o vosso canto poderoso,
Eu julgo igual ao meu vosso tormento...

Verbo crepuscular e íntimo alento
Das cousas mudas; psalmo misterioso;
Não serás tu, queixume vaporoso,
O suspiro do mundo e o seu lamento?

Um espírito habita a imensidade:
Uma ânsia cruel de liberdade
Agita e abala as formas fugitivas.

E eu compreendo a vossa língua estranha,
Vozes do mar, da selva, da montanha...
Almas irmãs da minha, almas cativas!

II

Não choreis, ventos, árvores e mares,
Coro antigo de vozes rumorosas,
Das vozes primitivas, dolorosas
Como um pranto de larvas tumulares...

Da sombra das visões crepusculares
Rompendo, um dia, surgireis radiosas
D'esse sonho e essas ânsias afrontosas,
Que exprimem vossas queixas singulares...

Almas no limbo ainda da existência,
Acordareis um dia na Consciência,
E pairando, já puro pensamento,

Vereis as Formas, filhas da Ilusão,
Cair desfeitas, como um sonho vão...
E acabará por fim vosso tormento."

(Antero de Quental, in "Sonetos"
)

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Madeira, (re)erguer

"Aqui o homem ergue
uma ilha e olha
as palavras cercadas de sal
até onde o olhar se afoga"

(Urbano Bettencourt, poeta da Madeira)

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

sábado, 13 de fevereiro de 2010

segue

"Segue o teu destino

Rega as tuas plantas,

Ama as tuas rosas.

O resto é sombra
De árvores alheias."

(Ricardo Reis)

domingo, 7 de fevereiro de 2010

portanto..

"Elefantemos portanto.

Deixemos esta tão precária pele
Aprender outros saberes

Deixemos
Portantomente
O olhar do paquiderme
Ensinar ao passarinho
As paisagens do deslumbre
Das escritas mais antigas.

Permitamos que o vento sopre.
E que a pedra exista.
E que o sol dispare a sua fúria
Em todas as direcções.
E que a lua se entretenha
No seu jogo de brilhar.

Elefantemos portanto.

Ou,

Melhor dizendo,
Permitamos que um silêncio muito antigo
Venha
Carregado de silvos e sussurros
Venha
Conduzir-nos a palavra
Pelas veredas impalpáveis
Do mistério."

(José Fanha, para o Mia Couto)

tudo o que resultar

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Quem me quiser

"Quem me quiser há-de saber as conchas
a cantiga dos búzios e do mar.
Quem me quiser há-de saber as ondas
e a verde tentação de naufragar.

Quem me quiser há-de saber as fontes,
a laranjeira em flor, a cor do feno,
a saudade lilás que há nos poentes,
o cheiro de maçãs que há no inverno.

Quem me quiser há-de saber a chuva
que põe colares de pérolas nos ombros
há-de saber os beijos e as uvas
há-de saber as asas e os pombos.

Quem me quiser há-de saber os medos
que passam nos abismos infinitos
a nudez clamorosa dos meus dedos
o salmo penitente dos meus gritos.

Quem me quiser há-de saber a espuma
em que sou turbilhão, subitamente
- Ou então não saber coisa nenhuma
e embalar-me ao peito, simplesmente."


(Rosa Lobato Faria)