quarta-feira, 25 de abril de 2012

segunda-feira, 23 de abril de 2012

a marca


Nas estantes os livros ficam 
(até se dispersarem ou desfazerem) 
enquanto tudo 
passa. O pó acumula-se 
e depois de limpo 
torna a acumular-se 
no cimo das lombadas. 
Quando a cidade está suja 
(obras, carros, poeiras) 
o pó é mais negro e por vezes 
espesso. Os livros ficam, 
valem mais que tudo, 
mas apesar do amor 
(amor das coisas mudas 
que sussurram) 
e do cuidado doméstico 
fica sempre, em baixo, 
do lado oposto à lombada, 
uma pequena marca negra 
do pó nas páginas. 
A marca faz parte dos livros. 
Estão marcados. Nós também. 

Pedro Mexia, in "Duplo Império"

domingo, 22 de abril de 2012

quarta-feira, 18 de abril de 2012

renascer

"No céo, se existe um céo para quem chora. Céo, para as magoas de quem soffre tanto... Se é lá do amor o foco, puro e santo, Chama que brilha, mas que não devora... No céo, se uma alma n'esse espaço mora. Que a prece escuta e encharga o nosso pranto... Se ha Pae, que estenda sobre nós o manto Do amor piedoso... que eu não sinto agora... No céo, ó virgem! findarão meus males: Hei-de lá renascer, eu que pareço Aqui ter só nascido para dôres. Ali, ó lyrio dos celestes vales! Tendo seu fim, terão o seu começo. Para não mais findar, nossos amores. "(Antero de Quental, in 'Sonetos')

domingo, 15 de abril de 2012

nada igual

"Verdade, mentira, certeza, incerteza...
Aquele cego ali na estrada também conhece estas palavras.
Estou sentado num degrau alto e tenho as mãos apertadas
Sobre o mais alto dos joelhos cruzados.
Bem: verdade, mentira, certeza, incerteza o que são?
O cego pára na estrada,
Desliguei as mãos de cima do joelho
Verdade mentira, certeza, incerteza são as mesmas?
Qualquer cousa mudou numa parte da realidade — os meus joelhos
e as minhas mãos.

Qual é a ciência que tem conhecimento para isto?
O cego continua o seu caminho e eu não faço mais gestos.
Já não é a mesma hora, nem a mesma gente, nem nada igual.
Ser real é isto."

(Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa)

sexta-feira, 6 de abril de 2012

domingo, 1 de abril de 2012

sol

"AH! QUEREM uma luz melhor que
a do Sol!
Querem prados mais verdes do que estes!
Querem flores mais belas do que estas
que vejo!
A mim este Sol, estes prados, estas flores contentam-me.
Mas, se acaso me descontentam,
O que quero é um sol mais sol
que o Sol,
O que quero é prados mais prados
que estes prados,
O que quero é flores mais estas flores
que estas flores -
Tudo mais ideal do que é do mesmo modo e da mesma maneira!"

(Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa)