"Vozes do mar, das árvores, do vento! Quando às vezes, n'um sonho doloroso, Me embala o vosso canto poderoso, Eu julgo igual ao meu vosso tormento...
Verbo crepuscular e íntimo alento Das cousas mudas; psalmo misterioso; Não serás tu, queixume vaporoso, O suspiro do mundo e o seu lamento?
Um espírito habita a imensidade: Uma ânsia cruel de liberdade Agita e abala as formas fugitivas.
E eu compreendo a vossa língua estranha, Vozes do mar, da selva, da montanha... Almas irmãs da minha, almas cativas!
II
Não choreis, ventos, árvores e mares, Coro antigo de vozes rumorosas, Das vozes primitivas, dolorosas Como um pranto de larvas tumulares...
Da sombra das visões crepusculares Rompendo, um dia, surgireis radiosas D'esse sonho e essas ânsias afrontosas, Que exprimem vossas queixas singulares...
Almas no limbo ainda da existência, Acordareis um dia na Consciência, E pairando, já puro pensamento,
Vereis as Formas, filhas da Ilusão, Cair desfeitas, como um sonho vão... E acabará por fim vosso tormento." (Antero de Quental, in "Sonetos")
Deixemos esta tão precária pele Aprender outros saberes
Deixemos Portantomente O olhar do paquiderme Ensinar ao passarinho As paisagens do deslumbre Das escritas mais antigas.
Permitamos que o vento sopre. E que a pedra exista. E que o sol dispare a sua fúria Em todas as direcções. E que a lua se entretenha No seu jogo de brilhar.
Elefantemos portanto.
Ou, Melhor dizendo, Permitamos que um silêncio muito antigo Venha Carregado de silvos e sussurros Venha Conduzir-nos a palavra Pelas veredas impalpáveis Do mistério."
"Quem me quiser há-de saber as conchas a cantiga dos búzios e do mar. Quem me quiser há-de saber as ondas e a verde tentação de naufragar.
Quem me quiser há-de saber as fontes, a laranjeira em flor, a cor do feno, a saudade lilás que há nos poentes, o cheiro de maçãs que há no inverno.
Quem me quiser há-de saber a chuva que põe colares de pérolas nos ombros há-de saber os beijos e as uvas há-de saber as asas e os pombos.
Quem me quiser há-de saber os medos que passam nos abismos infinitos a nudez clamorosa dos meus dedos o salmo penitente dos meus gritos.
Quem me quiser há-de saber a espuma em que sou turbilhão, subitamente - Ou então não saber coisa nenhuma e embalar-me ao peito, simplesmente." (Rosa Lobato Faria)